Fatal como o destino. Começam os dias a crescer em tamanho e leveza e os passarinhos a chilrear desalmadamente e começamos nós a sentir o chamamento do caminho.
Esta foi a quarta vez que voltamos ao caminho de Santiago. O português já o sabemos de cor por isso este ano decidimos fazer parte do caminho primitivo, por ser o itinerário jacobeu dos primeiros peregrinos, o primeiro de todos os caminhos, e por atravessar paisagens deslumbrantes, quase intocadas pelo homem.
É uma sensação estranha, ter que viajar um dia e pouco, em quatro comboios e uma mini camioneta para chegar a um pueblo distante e então começar o caminho. Fonsagrada foi o nosso ponto de partida numa manhã de frio cortante e horizonte coberto de névoa.
O caminho de Fonsagrada a Cádavo Baleira apanha muita estrada e mesmo com algumas descidas aos campos que a contornam, o cinza do asfalto aborrece e impõe limites ao olhar que quer liberdade para chegar bem longe. Mas depois, depois é o verde sem fim. Matas, carvalhais com folhas ainda tenras que à distância parecem tufos de muitas cores, campos ondulantes forrados de ervas e flores viçosas e por todo o lado, urtigas, muitas urtigas. E só para nos lembrar que para além de ser de Deus esta terra também é dos homens, aqui e ali vão brotando da paisagem pueblos pequenos feitos de xisto.
Em Lugo vimos um pouco do lindíssimo centro histórico, tanto quanto o cansaço dos cerca de 30 km feitos nos permitiu. Ficou a vontade de conhecer melhor toda a história que a muralha romana com quase 2000 anos guarda, com mais tempo e disposição.
De Lugo fomos a Seixas e depois a Melide. Durante este dia e meio (chegámos a Melide à hora de almoço) passamos grande parte das horas sozinhos no caminho, sem peregrinos à vista, mas depois… Melide. O ponto onde o caminho primitivo e outros se unem ao caminho francês, aquele que é o mais frequentado de todos os caminhos, e foi como se de repente nos tivessem largado sem grande cerimónia no meio de uma feira. Peregrinos e turigrinos a virem de todas as direções. A partir daqui vê-se literalmente de tudo. Há toda uma engrenagem turística muito bem oleada que permite a quem assim o preferir e tiver dinheiro para o pagar, fazer o caminho da forma mais confortável possível. Mas o que mais me impressionou foi ver quatro peregrinas a fazerem o caminho a correr! Fatos fitness, mochila pequena de hidratação às costas (com um tubo e bocal que permite beber enquanto se corre ou caminha) e ali estávamos nós, esbaforidos, depois de fazer uma subida acentuada, em passo lento, a vê-las a fazer a mesma subida a correr. Foi quase como ver extraterrestres. Só depois é que me lembrei que sem o peso da minha mochila e sem o desgaste dos kms já feitos, talvez eu conseguisse a mesma proeza, mas ainda assim achei melhor não tentar…
De Melide seguimos para Arzúa e de Arzúa para Santiago, direto. Os cerca de 166 km que normalmente levariam mais ou menos sete dias a fazer, nós acabamos por fazer em cinco e isto apenas porque o tempo o permitiu. O frio é incómodo mas também é muito melhor para caminhar e sempre que chegávamos ao fim de uma etapa à hora de almoço, acabávamos por continuar até à próxima.
O plano inicial era chegarmos a Santiago, cumprir os rituais e seguir para Muxía, mas em Santiago o tempo piorou e caminhar mais para norte não nos pareceu boa ideia.
Fazer este caminho foi estranho e bem diferente por uma série de razões. Começamos muito longe da nossa zona de conforto, numa parte de Espanha que não conhecíamos, embora essa tenha sido mais uma das razões que nos levou a fazê-lo. O tempo foi sempre de frio, com alguma chuva, névoa e claro, muita lama. Foi um caminho muito mais solitário, pelo menos até Melide. E mais do que em qualquer outra vez que fiz o caminho, senti nos kms finais e na chegada a Santiago a agressividade do negócio por trás do mesmo.
Mas por outro lado vale sempre a pena por tudo o que se vive, mesmo o menos bom, e a beleza da paisagem é indescritível e continua a ser a melhor condutora para quem procura mergulhar na profundeza de si mesmo.
No regresso a casa os primeiros desejos foram de doces. Fiz uma tarte de maça e amora (só para mim!) e mais tarde, inevitavelmente, passei ao chocolate. Com um jantar de amigos como desculpa deixei-me levar e fiz estes bolos com tudo o que gosto como acompanhamento, incluindo o Baileys que não só acompanhou como ainda entrou na massa 🙂
Espero que gostem!!
In English
Fatal as fate. As soon as the days grow bigger in size and lightness and the birds start to sing their hearts out, so we begin to feel the call of the camino.
This was the fourth time that we returned to the way of St. James. We already know the portuguese way by heart, so this year we decided to walk part of the primitive way, because it is the jacobean way of the first pilgrims, the first of all the caminos and because it passes through beautiful landscapes almost untouched by man.
It´s a strange felling having to travel a day and a bit in four trains and a mini bus to get to a distant pueblo and then begin the way. Fonsagrada was our starting point in a bitterly cold morning, with a misty horizon.
Much of the way from Fonsagrada to Cádavo Baleira is made on the road and even with some descents to the surrounding fields, the gray of the asphalt bores and imposes limits to the eyes when all they want is freedom to reach far ahead. But then, then is the endless green. Forests, oakwoods with tender leaves that at a distance look like tufts of many colors, undulating fields lined with grass and blooming flowers and nettles, lots of nettles everywhere. And just to remind us that besides being of God this land is also of men, here and there we see small pueblos made of shale, like sprouts of the landscape.
In Lugo we saw a bit of the beautiful historic center, just as much as the tiredeness of the 30 km walk allowed us to. It remained the will to know more about the whole history that the almost with 2000 years roman wall guards until today, with more time and disposition.
From Lugo we went to Seixas and then to Melide. During this day and a half (we reached Melide at lunchtime) we spent much of the time alone on the way, with no pilgrims at sight, but then… Melide. The point where the primitive way and others join the french way, the one that is the most frequented of all the caminos, and suddendly it was as if we were dropped, without much cerimony, in the middle of a country fair. Pilgrims and turigrinos coming from all directions. From here we see literally everything. There is a very well oiled touristic machinery that allows whomever prefers it and has the money to pay it, to make the camino as comfortable as possible. But what impressed me the most was to see four female pilgrims running the camino! Fitness clothes, small hydratation backpacks on their backs (with a tube and nuzzle that allows drinking while running or walking) and there we were, breathless, after an uphill walking, and seeing them doing the same uphill but running! It was like seeing aliens. Only then I remembered that without the weight of my backpack and the wear of the kms done, maybe I could do the same feat, but still, I thought it was better not to try it.
From Melide we went to Arzúa and then to Santiago, straight. The approximately 166 km that would normaly take seven days to walk, we end up walking it in five days and this only because the weather allowed it. The cold is uncomfortable but it´s also much better for walking, and so whenever we ended a stage at lunchtime we would continue to the next one.
The inicial plan was to get to Santiago and then walk to Muxía but the weather got worse and to walk further north didn´t seem a good idea.
Walking this camino was strange and different for a number of reasons. We started far from our comfort zone, in a remote part of Spain that we didin´t know, although this was one of the reasons that led us to do so. The weather was always cold, with some rain, mist and lots of mud. It was a much solitary way, at least up to Melide. And more than any other time I walked the way, I felt in the last Kms and at the arrival in Santiago the aggressiveness of the business behind the camino. But on the other hand is always worth it for all that we live in it, even the not so good part of it, and the beauty of the landscape is indescribable and the best conductor for those looking to dive into the depths of oneself.
Back home the first cravings were of sweets. I made an apple and blackberries tart (just for me!) and later inevitably I moved on to chocolate. Having a dinner with friends as an excuse I got carried away and made these (big) bundles of joy with everything I like to serve with chocolate cake, including Baileys, that also went into the dough.
Enjoy!!
Ingredientes:
250 g de farinha
380 g de açúcar amarelo
2 colheres de chá de bicarbonato
1 pitada generosa de sal fino
2 ovos (temperatura ambiente)
225 g de manteiga sem sal
4 iogurtes naturais
200 ml de Baileys
60 g de cacau em pó
Manteiga para untar
Cacau em pó para polvilhar
Molho de chocolate:
200 g de chocolate semi doce ou de leite, partido em pedaços
200 ml leite meio gordo
400 ml de natas frescas, bem frias para bater
Framboesas para servir
Preparação:
*Coloque os iogurtes a escorrer em cima de um coador forrado com papel de cozinha, por 20 minutos.
*Unte 1 forma de bolo alta tipo de pão de ló, com buraco (22 cm de diâmetro)com manteiga e polvilhe com cacau em pó. Ou então use 6 formas pequenas como as que usei nesta receita.
*Derreta a manteiga em lume brando. Tire do lume e junte o cacau, mexa até ligar. Junte o açúcar, os ovos, o iogurte e o baileys e mexa bem.
*Pré aqueça o forno a 170º, marca 3 do fogão a gás.
*Junte a farinha peneirada, o sal e o bicarbonato e mexa para ligar.
*Verta a massa na forma ou formas e leve ao forno por 18 a 20 minutos,até que um palito inserido no meio saia seco.
*Tire do forno, deixe arrefecer um pouco e desenforme. Deixe arrefecer completamente antes de decorar.
*Leve o chocolate e o leite a derreter em lume brando, mexa bem até ficar tudo bem ligado e reserve.
*Bata as natas, simples ou com um pouco de açúcar a gosto, até ficarem firmes.
*Encha as cavidades dos bolos com o molho de chocolate e sirva com um pouco de natas e framboesas.
Ingredients:
250 g flour
380 g light brown sugar
2 tsp baking soda
1 pinch of salt
2 eggs (room temperature)
225 g unsalted butter
4 plain yogurts
200 ml Baileys liqueur
60 g good quality cocoa powder
Butter for the pans
Cocoa for dusting
Chocolate sauce:
200 g semi sweet chocolate broken into pieces
200 ml semi skimmed milk
400 ml heavy cream to serve
Raspberries to serve
Preparing:
*Drain the yogurts for 20 minutes. Use a sifter covered with kitchen paper.
*You can use a normal cake tin with a hole in the middle (22 cm diameter) or 6 small ones like the ones I used in this recipe. Butter the tins and dust them with cocoa.
*Melt the butter over low heat. Remove from the heat and stir in the cocoa until smooth. Add the eggs, yogurt, sugar and Baileys, mixing well.
*Preheat the oven to 170º, 325f, gas mark 3.
*Stir in the sifted flour, salt and baking soda until smooth and velvety.
*Pour the batter into the tin (or tins) and bake for 18 to 20 minutes for the small tins a few minutes more for a bigger tin, until a skewer inserted in the middle comes out clean.
*Remove from the oven, let the cakes cool a bit and unmold. Let them cool completely before decorating.
*Make the chocolate sauce by melting the chocolate with the milk in a pan over simmering water. Mix well and let it cool a bit.
*Whip the cream, plain or with a bit of sugar, until fluffy.
*Fill the cakes cavities with the chocolate sauce and serve them with a few dollops of cream and some raspberries.
Meu deus!! Chocolate e baileys! Eu costumo vir cá visitar este maravilhoso espaço, e saio sempre de água na boca! Mas se me fala de chocolate e baileys, os dois juntinhos… e essas fotos apetecem ser trincadas, como sempre! Obrigada pela partilha e parabéns pelas publicações deliciosas. 🙂
LikeLike
Fazer o caminho de Santiago, qualquer que seja ele, deve ser uma experiência inesquecível. As fotos que deixas deste ano, como as de outros anos, são lindíssimas.
Quanto aos bolos, adorei a combinação de chocolate e Baileys, deve ser uma delícia. Apetece tanto “roubar” um desses bolinhos das imagens 🙂
LikeLike
Adorei as imagens… são belíssimas!
Claro que também adorei os bolinhos de chocolate.
bj
LikeLike
Oh pá que delícia!!!! O Bolo e o Caminho!!!
Adoro as tuas descrições d'Os Caminhos que fazes, porque, acho eu, sentimos o Caminho de Santiago da mesma forma….
Nunca fiz o Primitivo, exactamente porque desemboca no Francês, e já sabia do “comércio” que o Caminho Francês envolve….
Experimentei o da Via da Prata…. adorei! Lindo, antigo e verde!!! Só que é sempre a subir e a descer!!!! Mas vale muito a pena, e acho que tu irias gostar a valer! Fica a sugestão…
Quanto à tua sugestão de bolo de chocolate…. não vejo a hora de experimentar!!!!
LikeLike
Lindas fotos! Fiquei com vontade só de olhar! Tanto do caminho como dos bolos. Para o caminho não estou preparada, mas até ia uma sobremesa! Obrigada pela partilha!
LikeLike
Simplemente… una delicia, mi enhorabuena, besosss!!
LikeLike
Impresionante!!! felicidades
Bss
LikeLike
Um passeio inesquecível, sem dúvida!
A receita é espectacular, adoro Baileys, e fiquei deliciada com o aspecto deste bolo!
Como sempre, as fotos são lindas!Parabéns!
Beijinhos
Lena
http://cookingbooksblog.blogspot.pt/
LikeLike
Sei que já te disse que adorava fazer o caminho para Santiago, a pé. Infelizmente, e desde que fui atropelada, enquanto não recuperar totalmente não posso fazer esse tipo de aventuras 😦
Gosto de Muxías, é pacata, come-se bem, e a costa é linda, como aliás é toda a costa entre o Porto e Muxías 🙂
LikeLike
Amei o blog!
Imagens e receitas maravilhosas.
Volto para navegar por essas gostosuras e pelos posts interessantes.
Parabéns pelo blog.
Muito bonito e elegante.
Um abraço daqui do Brasil
Isabela
http://www.life4up.blogspot.com.br
LikeLike
Gostei tanto de ler e de ver as fotografias!! Adorava fazer o caminho de Santiago, um dia, mas ainda não chegou a hora… Agora fiquei ainda com desejo maior de o fazer. As paisagens são lindas.
Beijinhos,
Raquel
http://amor-as-camadas.blogspot.pt
LikeLike