Lembro-me do tempo em que encontrar alguém com um gosto genuíno pela cozinha era como encontrar um oásis verdejante na imensidão do deserto. Cozinhar por gosto era uma prática duvidosa e substimada, olhada com um certo desdém e a maioria das mulheres da minha geração estavam demasiado ocupadas a tentarem ser “modernas”, daí que mesmo quando esse gosto existia, admiti-lo publicamente era quase sinónimo de fraqueza feminina. Esse olhar de desdém também eu o senti inúmeras vezes e no entanto vejam como o jogo se inverteu.
Cozinhar passou de fraqueza a estandarte da modernidade. O que é muito bom! Mas será todo este movimento crescente algo verdadeiramente genuíno? Ou é apenas o desenrolar de um período trendy até que surga o próximo “sabor do mês”? Por vezes penso como estará o panorama da comida daqui a uns bons anos, mas uma coisa sei, já tudo foi inventado e o segredo estará sempre e para tudo no equilibrio. O oásis verdejante conquistou a aridez do deserto mas o difícil agora é resistir à tentação de o transformar em algo irreconhecível.
De todas as Tarte Tatin da minha vida, e já são algumas, esta é a minha favorita. As reineta têm uma acidez que contrasta deliciosamente com o doce do caramelo de Porto e especiarias e depois há a textura. Apesar das maças manterem minimamente a sua forma a textura é de quase puré, macio e sedoso numa base de massa folhada delicada.
E contas feitas, esta é a beleza da (minha) cozinha caseira, a capacidade e o propósito de me dar exatamente o que eu quero e gosto.
In English
I remember a time when finding someone with a genuine taste for the kitchen was like finding a green oasis in the vastness of the desert. Cooking for the love of cooking was a dubious and underestimated practice, looked at with some disdain, and most of the women of my generation were too busy trying to be “modern,” so even when that taste existed, publicly admitting it was almost synonymous of feminine weakness. I felt that look of disdain countless times and nevertheless see how the game was inverted. Cooking went from weakness to standard of modernity. Which is very good! But is this whole upward movement something truly genuine? Or is it just the unfolding of a trendy period until the next “flavor of the month” comes out? Sometimes I wander how the food scene will be a good few years from now, but one thing I know, everything has been invented and the secret will always be, as for everything, in finding balance. The green oasis has conquered the aridity of the desert but the difficulty now is to resist the temptation to transform it into something unrecognizable.
Of all the Tarte Tatin of my life, and there are already quite a few, this is my favorite. The russets have an acidity that contrasts deliciously with the sweet caramel of Porto wine and spices and then there is the texture. Although the apples retain minimally their shape, the texture is almost of a puree, soft and silky in a base of delicate puff pastry.
And accounts made, this is the beauty of (my) home cooking, the ability and purpose of giving me exactly what I want and like.
Ingredientes:
- 1 embalagem de massa folhada (redonda)
- 5 maças reineta médias, descascadas, sem caroço e cortadas ao meio
- 130 g de açúcar
- 100 ml de vinho do Porto Tawny
- 40 g de manteiga sem sal, cortada em cubos
- 1 pau de canela
- 1 estrela de anis
- 2 cravinhos
- 1 colher de chá de extrato de baunilha
Preparação:
- Pré aqueça o forno a 190º, marca 5 do fogão a gás.
- Numa sertã que possa ir ao lume e ao forno coloque o açúcar, o Porto, as especiarias e a baunilha.
- Leve ao lume por 5 a 6 minutos até espessar e fazer espuma. Como o Vinho do Porto é escuro não dá para ver o açúcar a ganhar cor mas 5 a 6 minutos é quanto basta.
- Tire do lume e coloque as maças em cima do caramelo com a parte cortada virada para cima.
- Espalhe a manteiga por cima, tape tudo com a massa folhada e entale a massa atoda a volta da forma fazendo um drapeado.
- Leve ao forno por 25 a 30 minutos até a massa ficar dourada e o recheio borbulhar.
- Tire do forno e antes que a tarte arrefeça e o caramelo endureça, vire-a para um prato mas com muito cuidado para não se queimar com o caramelo que poderá escorrer.
- Sirva ainda quente com créme fraiche.
Ingredients:
- 1 package of puff pastry (round)
- 5 medium russet apples, peeled, pitted and cut in half
- 130 g of caster sugar
- 100 ml Tawny Port Wine
- 40 g unsalted butter, diced
- 1 stick of cinnamon
- 1 star anise
- 2 cloves
- 1 teaspoon vanilla extract
Preparation:
- Preheat the oven to 190º, 375F, gas mark 5 .
- In a frying pan that can also go to the oven, place the sugar, the Port, the spices and the vanilla.
- Bring to the boil and cook for 5 to 6 minutes until thickened and foamy. As the Port is dark it is not possible to see the sugar gaining color but 5 to 6 minutes is enough.
- Remove from the and place the apples on top of the caramel with cut side up.
- Spread the butter on top, cover with puff pastry and tuck the dough all the way around the pan in a draping.
- Bake for 25 to 30 minutes until the tart turns golden and the filling bubbles.
- Remove from the oven and before the tart cools and the caramel hardens, turn it onto a plate but be very careful not to burn yourself with the caramel drops.
- Serve still hot with creme fraiche.
A razão pela qual eu mais gosto de cá vir ou uma das … além, obviamente, da belíssima qualidade das apetitosas fotografias e das robustas receitas, é o ar maternal com que revejo a minha mãe em cada sábia e experiente palavra.
LikeLike
Muito obrigada Renata!
LikeLike
Tantas vezes tenho comentado a meia voz “Nowadays everyone and their mother is a food blogger and a great cook.” Não sei se seremos da mesma geração – quer-me parecer que andamos perto – mas recordo bem ainda há não muitos anos atrás de uma colega de trabalho gritar alto e bom som, com um imenso orgulho na voz que odiava cozinhar e que se recusava a passar horas enfiada na cozinha em frente a um fogão. Uma outra amiga era igual, que só fazia comida simples porque não tinha jeito nem pachorra e tinha bem mais que fazer com a sua vida. Se eu falava de culinária quase que era apedrejada pelos olhares de escárnio, e sentia-me verdadeiramente aberrante por gostar de ir para a cozinha, e por almejar naqueles tempos de recém casada a um estilo de vida como o que tenho agora. E de repente, toda a gente adora enfiar-se na cozinha a fazer petiscos, e toda a gente é nutricionista e sabe melhor que os outros aquilo que deve ser feito e como deve ser feito, o que consumir, como consumir… tenho para mim que há muito modismo nisto, e daqui a uns tempos há uma outra trend qualquer a chamar-lhes a atenção, mas sinceramente te digo: se a moda da culinária é real, então que sirva para uma coisa, a de pôr a malta a cozinhar em casa, a fazer refeições caseiras e a enfardar bem menos a fast food que tão mal faz e que parece ainda ser o comum de consumir para muitas das familias e dos jovens deste país. Nunca consegui fazer uma tarte tatin, aliás, bolos e tartes que requeiram o invertido, comigo correm sempre mal, devo ter um bruxedo qualquer quanto a isso eheheheh.
https://bloglairdutemps.blogspot.pt/
LikeLike
O texto que escrevi é um relato da minha experiência. Houve tempos em que senti uma certa discriminação, curiosamente mais por parte de mulheres, por cozinhar e gostar de o fazer. Agora e à distância dos anos acho curioso como isso mudou e ainda bem, é ótimo as pessoas investirem em refeições caseiras que acabam por ser bem mais saudáveis e em reunirem à volta da mesa, mas sem dúvida que a comida está na moda, para o bem e para o mal.
LikeLike
Não podia concordar mais 😉 tivemos experiência parecida, ao que vejo.
LikeLike